sábado, 20 de setembro de 2025

Crônica: A blindagem da vergonha

            A história recente do Brasil parece um manual de como reinventar atalhos para escapar da Justiça. Agora, sob o eufemismo de “PEC da Blindagem” — que o povo já rebatizou com mais precisão como “PEC da Bandidagem” ou “PEC da Vergonha” — vemos nascer uma aberração institucional que afronta a democracia e zomba da Constituição, aquela mesma que, no artigo 5º, assegura que “todos são iguais perante a lei”, além de virar literalmente as costas para o povo.

Mas iguais até certo ponto. Se a emenda prosperar no Senado, os parlamentares passam a viver num condomínio de privilégios. Crimes como homicídio, estupro, corrupção, lavagem de dinheiro e outros de alta gravidade só poderão ser investigados ou julgados se a própria Câmara ou o Senado autorizarem. Em outras palavras: se um deputado matar alguém, não irá direto para a Justiça como qualquer cidadão. Caberá primeiro ao clube dos colegas decidir se o processo anda ou não. Caso prospere, a turma do PCC, Comando Vermelho já vão entrar com pedido de regularização partidária para lançar seus candidatos.

Exemplos não faltam para mostrar como essa blindagem seria útil a muitos. Quantas vezes vimos deputados e senadores se protegendo em votações secretas, arquivando denúncias ou segurando pedidos de cassação? Transformar isso em regra constitucional é institucionalizar a impunidade. É criar uma casta política acima da lei, justamente no país onde já é tão difícil garantir que ela alcance os mais poderosos.

O mais triste é ver que figuras que um dia se apresentaram como progressistas — e até setores de direita que hoje admitem arrependimento — tenham apertado o botão “sim” para aprovar esse retrocesso. A democracia não é um privilégio da esquerda, da direita ou do centro. Ela é o único chão possível para todos. E, ao legitimar essa emenda, o Congresso deixa claro que prefere salvar a própria pele a proteger a igualdade constitucional.

Não é de agora que tentam colocar a democracia contra a parede. Mas a PEC da Vergonha talvez seja um dos maiores ataques ao princípio da República desde a redemocratização. É o recado de que, no Brasil, a lei não é cega: ela tem vista grossa para quem veste terno e ocupa cadeira no plenário.

É hora da sociedade acordar. Porque, se deixarmos essa blindagem avançar, amanhã não haverá diferença entre um cidadão comum e um parlamentar acusado de crime — exceto que um responderá à Justiça, e o outro, não. O outro, fica rindo da sua cara! Por Paulo ER Carvalho


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