domingo, 30 de abril de 2017

Belchior: O poeta agora segue seu caminho, sozinho...

       Sem poder pegar mais nas mãos, o poeta partiu em seu avião movido pela alucinação dos versos que reescreveram a história e a poesia da música brasileira. Ele sumiu de novo, pegou a estrada do destino, sem volta, deu o último gole de conhaque e levou consigo o toque inteligente que imortalizou as canções que ficaram em nossas vidas. O poeta morreu? Não! Os poetas não morrem, eles andam pelos tempos em que sonhamos. Vai-se a matéria, sucumbe o corpo, flutuam as palavras, os versos, as melodias que sempre vão nos embalar e nos deixar de palo seco de tanto cantar e recantar. Belchior não andou léguas tiranas à toa e nem dobrou esquinas apenas para pregar sua foto 3x4 na história da música, ele a recriou, como um Bob Dylan do Sertão. Trouxe uma mudança travestida em sua velha roupa colorida, metendo o pé na estrada, ao lado das cordas de seu violão, dos traços em versos e letras que traduziam a angústia do presente e do passado que já não vestia mais. Como não se embriagar nos versos com um coração selvagem, não divagar além das letras que se entrelaçam e sai do seu caminho, mostrando que sempre vale ser e viver tudo outra vez. Partiu o poeta, ficam os mortais fãs, relembrando os diplomas da dor e do sofrer da juventude, das angústias que nos lançam ao gol do infinito e do mundo casual que nada sabemos, imaginamos e muitas vezes nunca saberemos. Em seus versos nos ensinava a não cantar vitória muito cedo, nem levar flores para a cova do inimigo, pois as lágrimas dos jovens sempre serão fortes como um segredo. Segredos que se vão com a mente criativa do grande mestre da música. O matuto de cabeça chata, como dizem ser os cearenses, retomou nas mãos do seu destino as velhas velas do Mucuripe e adentrou o mar da imortalidade. Leva consigo as lembranças, os cantos, as dores e amores, as perdas e vindas, as chegadas e partidas, a voz rouca e profunda que sabia traduzir o âmago da inconsistência do ser humano. O que seriam as noites de outrora? As noites do Chamego, do Taberna, do Caras e Bocas, do Kananga, do ontem, do hoje e do amanhã sem o violão do barzinho dedilhando como nossos pais ou simplesmente retratando um simples rapaz latino americano? Como tomar um gole de cerveja sem lembrar o toque inteligente da cabeça que tem pressa de viver? E viverá, no rádio ligado, na turma do bar, no toque do celular que nem existia na época de suas viagens, de sua solidão e de sua fúria que presenteava a música brasileira com a poesia do matuto nascido no interior. Vai-se Belchior! Fica na eternidade o poeta que sempre cantará nossos medos de abrir as portas do Sertão da solidão e irá, para sempre, cantar muito mais antes do fim, sempre jovem, aprendendo os delírios com coisas reais. E agora, segues teu caminho, refazendo a poesia tudo outra vez...