quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Filho de Hélio Bicudo diz em nota que seu pai está sendo usado por golpistas




         José
Eduardo Pereira Wilken Bicudo, 60 anos, é filho do jurista Hélio Bicudo, o
autor do mais famoso pedido de impeachment de Dilma. Biólogo, professor titular
aposentado da Universidade de São Paulo, José é, atualmente, professor
honorário na Universidade de Wollongong, na Austrália.





O segundo
mais velho entre quatro irmãos, todos donos do mesmo prenome (há mais três
mulheres), opõe-se à atitude do pai. “Eu não sou filiado ao PT, mas sempre
apoiei o partido”, diz. “Entendo que, apesar deste ter se desviado de seus
princípios e valores a partir do momento em que Lula assumiu a presidência,
vejo que algumas coisas importantes aconteceram no país, embora haja muito a
ser feito ainda.”





José Eduardo é Diretor-adjunto
do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor
de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação
da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas. Leia seu depoimento:







DEPOIMENTO DE JOSÉ EDUARDO BICUDO





Por conveniência e oportunismo, a mídia
conservadora tem divulgado insistentemente que Hélio Bicudo foi um dos
fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Acontece que ele mesmo, em vídeo
que circula nas redes sociais, diz o contrário. Quem o fez se aproximar do PT
foi meu irmão mais velho, José.





Em recente editorial, na revista Carta
Capital, Mino Carta definiu bem, com elegância e generosidade, a trajetória de
meu pai: conservador, militou mais à direita, depois mais à esquerda e, hoje,
não se sabe exatamente por onde caminha.





A sua idade avançada, 93 anos, e sua
história de vida têm sido usadas e abusadas pelos articuladores do golpe para
tirar Dilma Roussef da presidência da república. As pessoas em geral se comovem
com a figura de um senhor de idade defendendo a moral, a ética e os bons
costumes. SEGUE...



De fato, a sua história de vida tem um
enorme peso, independentemente de sua matiz política. Ele teve papel importante
junto ao Ministério Público do Estado de São Paulo, como procurador de justiça,
principalmente na apuração dos crimes cometidos pelo “Esquadrão da Morte”,
liderado pelo delegado de polícia Sérgio Paranhos Fleury, este também envolvido
em crimes de tortura durante a ditadura militar. 






Esse triste episódio deu ao meu pai
grande projeção nacional e internacional. Durante esse período meu pai também
trabalhava na redação do jornal O Estado de São Paulo.





Meu pai sempre teve o apoio
incondicional de minha mãe, Déa, mãe de sete filhos e esposa exemplar. É
importante ressaltar que minha mãe sempre atuou como um “poder moderador”. O
caráter conservador, muitas vezes autoritário e acusatório de meu pai sempre
foi moderado por ela, dentro e fora de casa. Minha mãe, aos 91 anos de idade, é
portadora do Mal de Alzheimer há dez anos, coincidentemente, período durante o
qual meu pai iniciou sua obstinada cruzada contra o PT e Lula.





No final dos anos 1980, enquanto
secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura de São Paulo, durante a gestão
de Luiza Erundina, meu pai fez parte de uma comissão de sindicância interna do
PT, juntamente com José Eduardo Cardozo, atual Ministro da Justiça, e Paul
Singer. Esta visava apurar eventuais favorecimentos ilícitos de pessoas ligadas
ao PT junto a prefeituras sob o comando do partido no estado de São
Paulo. 





O parecer final continha acusações que
poderiam comprometer Lula, já que um compadre deste estaria supostamente
envolvido. José Dirceu era o presidente do PT na época e, segundo meu pai, deu
a ele e à comissão de sindicância “carta branca” para comprometer todos aqueles
que estivessem supostamente envolvidos. Aqui, creio eu, começa todo o
imbroglio. 





Meu pai ocupava, também na época, um
cargo importante na direção do partido e vislumbrou a possibilidade de
alavancar o seu projeto pessoal de poder dentro do PT. Ele jamais admitirá
isso, mas usou o parecer emitido pela comissão sindicante para “chantagear”
Lula. Este, por sua vez, tentou negociar uma saída que não comprometesse o
partido e sua candidatura à presidência da República. Lula disputou o segundo
turno com Fernando Collor de Melo.





Esse episódio acabou azedando as
relações entre Lula e meu pai, o qual saiu muito ressentido e foi aos poucos
perdendo espaço dentro do partido, embora tenha sido eleito deputado federal
nas eleições de 1990 e depois em 1994, com votações expressivas, principalmente
em 1990. Os seus mandatos na Câmara Federal foram cumpridos quase que de forma
independente do PT. 





Plínio de Arruda Sampaio, também na
época deputado federal pelo PT, e meu pai cumpriam agendas bastante
semelhantes, todavia Plínio gozava de boas relações com Lula. Meu pai deixou
transparecer inúmeras vezes uma forte mágoa em relação ao episódio que fez Lula
se distanciar dele.





Durante o período de seus dois mandatos
na Câmara Federal, meu pai iniciou aproximações com congressistas que davam
apoio ao governo de Fernando Henrique Cardoso, entre os quais Luiz Eduardo
Magalhães, na ocasião Presidente da Câmara, filho de Antonio Carlos Magalhães
(ACM), ambos integrantes do Partido da Frente Liberal, o antigo PFL e atual
DEM.





Tal aproximação rendeu-lhe indicação do
governo brasileiro para representa-lo junto à Comissão de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington D.C., E.U.A.. Assim,
durante o seu segundo mandato como deputado federal, meu pai repartia seu tempo
entre a Câmara Federal e a OEA. 





Com isso, foi se distanciando cada vez
mais do PT e se aproximando de setores do Partido da Social Democracia
Brasileira, o PSDB. Nesse meio tempo, fora indicado para integrar comissão na
Câmara Federal para investigar o envolvimento do deputado Ricardo Fiúza do PFL
no escândalo dos “Anões do Orçamento”. O seu parecer foi qualificado, em
público, pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, como “pífio”, e a
eventual implicação do deputado Fiúza no escândalo ficou comprometida, já que
este fazia parte da base de sustentação do governo de Fernando Henrique
Cardoso. 





Lembro-me que meu pai ficou ressentido
com o episódio, por toda a repercussão negativa de sua imagem junto à mídia,
mas é curioso que isso não o fez guardar qualquer mágoa ou rancor em relação a
Fernando Henrique Cardoso.





Esse episódio é ilustrativo dos casuísmos
que graçam na política brasileira. Hélio Bicudo, eminente jurista, emite um
parecer juridicamente embasado, porém este pode incomodar um determinado “lado”
e é portanto considerado “pífio”. Este mesmo jurista, agora faz um pedido de
impeachment da Presidente Dilma Roussef, sem base jurídica alguma,
respaldando-se apenas no denominado “domínio do fato”, cheio de slogans, que
alegram os golpistas de plantão, mas que não presta serviço algum à nação a não
ser tumultuar mais ainda a vida já muito difícil dos brasileiros. 





Nesse caso, no entanto, o texto não é
considerado “pífio” por aquele mesmo “lado” ao qual me referi anteriormente.
Aliás, aparentemente será usado para deflagrar eventual pedido de impeachment
da Presidente Dilma Roussef na Câmara Federal.





O pedido de impeachment do qual meu pai
é signatário é uma das inúmeras decorrências de sua infeliz trajetória nos
últimos dez anos, período durante o qual o “poder moderador” de minha mãe
deixou de existir em razão do mal que a acometeu, permitindo que o rancor
desemedido de meu pai em relação ao PT e sobretudo a Lula desabrochasse de uma
forma tão beligerante. 





Essa triste postura é visível no último
vídeo que circula pelas redes sociais no qual ele faz acusações em relação a
Lula sem quaisquer fatos concretos e de forma completamente leviana.





Há que se ressaltar que o rancor de meu
pai em relação a Lula foi intensificado durante o primeiro mandato deste como
Presidente da República, antes do episódio do mensalão. Meu pai, no final de
mandato como vice-prefeito, na gestão de Marta Suplicy, solicitou a esta que
fizesse gestões junto à Lula para que este o indicasse a um posto como
embaixador do Brasil, ou na OEA, ou em Genebra junto à Organização das Nações
Unidas (ONU), na área de Direitos Humanos, ou em Roma. 





Nada disso foi possível, pois a política
do Ministério das Relações Exteriores mudara, não havendo mais indicações de
pessoas fora da carreira para ocupar postos diplomáticos. No entanto, mesmo
assim, meu pai recebeu um fax, do qual sou testemunha, do Ministério das
Relações Exteriores, cujo ministro na época era Celso Amorim, convidando-o a
representar o Governo Brasileiro junto à UNESCO, em Paris, nas reuniões
trimestrais da entidade. 





Meu pai recusou o convite,
interpretando-o como um grande insulto a sua pessoa e, a partir daí, resolveu
se opor a tudo que dissesse respeito ao PT e a Lula. Guinada ultra-conservadora
que o caracteriza hoje.





Finalmente, devo enfatizar que meu pai
goza de plenas faculdades físicas e mentais, muito embora esteja com idade
avançada. Todo ser humano tem qualidades e defeitos. Infelizmente, o seu
profundo rancor o tornou um homem infeliz, solitário e amargo. Vários de meus
irmãos e eu tentamos resguarda-lo durante muitos anos, principalmente após
minha mãe ter sido diagnosticada como portadora do Mal de Alzheimer, tanto em
relação a sua vida pessoal como em relação a sua vida pública, na tentativa de
preservar a sua história de vida. 





Entretanto, o seu rancor desmedido e os
limites impostos por ele aos próprios familiares que o cercavam, já que ele
está lúcido e ativo, fizeram-no se aproximar de pessoas que certamente o estão
usando, inclusive uma de minhas irmãs, para atingir os seus fins golpistas. E
ele, que nunca soube ficar longe dos holofotes que o iluminaram durante tanto
tempo, está se aproveitando do fato para ficar em evidência num triste e
infeliz espetáculo midiático. Do Diário Centro do Mundo

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