Foi um de dois pés, roupa e
frieza, que protagonizou uma barbárie no bairro São Geraldo. Um açougueiro —
não aquele que dignamente exerce seu ofício, mas o que transforma a violência
em gesto — esfaqueou um cachorro. Um ser vivo. Um coração que bate. Um olhar
que busca abrigo. Um ser que só conheceu a rua como casa, o medo como rotina, e
a indiferença como vizinha.
E enquanto o sangue do
animal tingia o asfalto, o silêncio dos que poderiam agir gritava. Autoridades
que juraram proteger. Gestores que, em tempos de campanha, posam sorridentes ao
lado de animais resgatados e prometem abrigos, castrações, políticas públicas.
Dizem que os cães de rua terão uma Disney. Mas tudo isso some quando o tempo
das promessas acaba e chega o tempo da realidade. E a realidade, para os cães
de rua, é dura, solitária e cruel.
Se esse cachorro pudesse
falar, talvez dissesse:
"Desde que nasci,
caminho. Sinto fome, frio, medo. Mas ainda assim, confio. Aproximo o focinho em
busca de uma mão, um gesto, um carinho. Meu sonho era simples: um canto seco
nos dias de chuva, uma tigela nos dias de fome, um nome. Mas o que encontrei
foi a lâmina da maldade. E o silêncio. O silêncio dos que podiam me ver. Me
proteger. Me acolher. Dizem que os humanos são racionais. Mas, ao contrário de
mim, são capazes de ferir por prazer. E o pior: são capazes de fingir que nada
viram."
A vida de um cão de rua não
é um erro. É uma responsabilidade. Uma responsabilidade social, humana e
política. Enquanto as cidades se orgulham de inaugurar praças, pórticos e
shows, os animais continuam invisíveis. Vivem entre calçadas e riscos, entre
restos e rejeição. Precisam de mais do que migalhas: precisam de políticas
públicas reais. Castração, abrigos, campanhas de adoção, fiscalização contra
maus-tratos. Precisam de uma sociedade que entenda que empatia não é luxo, é
dever.
O crime cometido precisa ser
combatido com o peso da lei. Não como exceção, mas como exemplo. O culpado deve
ser punido. Não só pelo que fez a esse cão, mas pelo que simboliza: o retrato
da barbárie que se instala quando o Estado se omite, quando a sociedade fecha
os olhos, quando o humano se esquece do que o torna humano.
Que essa dor não seja em
vão. Que esse sangue desperte. Que esse silêncio não se repita. Porque não é só
um cachorro que sangra. É a própria humanidade que se esvai.
Paulo E.R. Carvalho: Jornalista, comunicação estratégica e produção de conteúdo. Fundador da Ânima Comunicação e Conteúdo e criador e editor do portal de notícias A Folha das Cidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário