O
que se decide no voto da Câmara não é apenas se o golpe vinga ou a democracia o
derrota. É também a decisão de se prolonga e se aprofunda a crise ou se abrimos
uma porta para o processo de reconstrução do pais.
Porque
o Brasil não aguenta mais, os brasileiros não aguentam mais, a economia não
aguenta mais a crise. Quem gosta do Brasil, que quer realmente ver o país sair
da crise, leva em conta na disputa atual, antes de tudo a democracia, porque é
o marco geral em que é possível um acordo que contemple o interesse geral do
pais. Mas em seguida, ter clareza sobre quem representa a manutenção e até o
aprofundamento da crise e quem abre alternativas de superação da crise, para
saber quem faz bem ao pais e quem faz mal.
A
crise teve, na sua origem, a negativa da oposição de aceitar sua derrota
eleitoral, a que se unia a circunstancia de que a Dilma se reelegeu sem o apoio
do grande empresariado – primeira situação como essa que o país viveu –, somado
às ações da Lava Jato, com seus efeitos paralisantes em grandes setores da
economia. Ao que é preciso agregar os erros na coordenação política do governo
e o ajuste fiscal, que contribuiu para isolar o governo das bases populares que
o tinham eleito.
Originalmente,
Michel Temer se apresentava como quem poderia reunificar o país, com diálogo
com todos os setores, promovendo uma superação da crise no marco de alianças
nacionais. Hoje, pelo seu desempenho, pelo caráter absolutamente unilateral do
seu programa, pelas negociações reservadas praticamente só ao setor empresarial,
e pela avaliação das companhias que ele teria – com Eduardo Cunha em primeiro
lugar -, ele perdeu totalmente qualquer credibilidade para desempenhar esse
papel. Como o próprio Financial Times constatou, uma troca de governo só
pioraria a situação do pais. Até setores aliados até há pouco do
vice-presidente, preferem manter distancia, pela grave responsabilidade que
significaria depor o governo atual para substitui-lo por um governo
Temer-Cunha. A imagem publica de Temer só se deteriorou desde aquela imagem que
ele pretendia inicial projetar.
Ainda
mais que a perspectiva de que aplicasse um duro ajuste fiscal, cortando
direitos básicos dos trabalhadores – as conversas com os empresários sempre
incluem flexibilização da CLT, entre outros temas sociais muito agudos -, a
partir de uma imagem fraca e uma falta de dialogo com os movimentos sociais –
que prometem duras reações caso ele se torne presidente -, fazem prever um
governo de pouca estabilidade, sem possibilidades de reunificar o país.
Por
outro lado, a alternativa não é a de retornar ao governo da Dilma, tal qual ele
existiu. É evidente que tanto a coordenação política, como também adequações na
política econômica terão a ver com o papel do Lula. É uma possibilidade
concreta de que, derrotado o impeachment, predomine uma agenda positiva, um
novo governo, com um novo ministério e medidas de reativação econômica, além de
uma forma nova de relação com a base parlamentar.
O
país precisa praticamente ser reconstruído do ponto de vista econômico, social
e político. É preciso reconstituir as condições de funcionamento do governo,
readequar a política econômica, tomar medidas que permitam a economia crescer,
o desemprego baixar e as políticas sociais terem um novo impulso expansivo.
Esta
é a via de avançar na direção da superação da crise. Um eventual impeachment
jogaria o pais numa crise social de grandes proporções, sem garantia de que um
clima favorável à retomada do crescimento econômico se instaure. As tentativas
de impeachment têm sido, ao contrario, um fator de desestabilização, sem
oferecer alternativas positivas para o país. O próprio fato de que esse
processo esta nas mãos de Eduardo Cunha, revela o caráter aventureiro dessas
tentativas. Um governo que surgisse de uma vitoria do impeachment representaria
a prolongação e até mesmo o aprofundamento da crise das instabilidades que têm
afetado o país há quase um ano e meio.
A
derrota do impeachment é a possibilidade que o país tem hoje de fechar a página
negativa da crise, a partir de um novo governo e uma proposta de retomada de um
pacto nacional de desenvolvimento com distribuição de renda, adaptado às
condições econômicas e internas. Para que o Brasil possa fechar este ano não
com o cenário atual, nem político, nem econômico, mas impondo uma dinâmica
distinta à economia e retomando as formas de dialogo positivo no conjunto da
sociedade.
O
pais não suporta mais as agendas negativas que impuseram um empate destrutivo
entre os campos que se enfrentavam. Uma decisão na Câmara que permita fechar
essa pagina é o que o Brasil precisa.
Colunista do 247, Emir Sader é um dos
principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros.
