quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Política à Mesa: O Brasil que se olha no espelho e não se reconhece

                  Por Paulo E. Ramos

O 20 de Novembro chega todos os anos carregado de discursos, postagens nas redes e frases prontas sobre igualdade e respeito. Mas basta um olhar mais demorado — sem pressa, sem filtro — para perceber o tamanho do abismo entre quem somos e quem escolhemos enxergar.

Em Pernambuco, o retrato é cristalino: mais de 65% da população é negra, segundo o Censo de 2022. São 55,3% de pardos, 10% de pretos. No Brasil, o número permanece expressivo: 56% da população é negra. Em teoria, somos um país negro. Em prática, insistimos em agir como se não fôssemos.

Os números não mentem, mas revelam verdades incômodas.

Apesar da maioria evidente, ainda vivemos em um estado onde 92,6% das mortes em intervenções policiais, em 2024, foram de pessoas negras. É a estatística que grita enquanto muitos escolhem o silêncio. É o lembrete de que a cor da pele ainda pesa, ainda decide, ainda determina quem vive e quem morre.

E quando o debate se desloca para a política, o espelho fica ainda mais distorcido.

No Congresso Nacional, a presença de parlamentares negros não chega a 30% das cadeiras — e isso num país onde os negros são maioria. Na Câmara dos Deputados, houve crescimento, é verdade, mas tímido, insuficiente, incapaz de acompanhar o tamanho da população que representa. No Senado, a sub-representação persiste. Avanços existem, mas são gotas num oceano de ausência.

Mesmo em 2024, quando o Brasil viu o maior número de vereadores negros eleitos da história (45,8%), a verdade aparece nas entrelinhas: a porcentagem de candidatos negros superou a de brancos, mas a taxa de sucesso nas urnas foi menor. Mais negros concorrendo, menos negros vencendo. O sistema não é neutro — nunca foi.

E Pernambuco, tão negro, tão plural, tão rico de identidades, ainda convive com Câmaras municipais que não refletem sua gente. Um exemplo emblemático mora aqui perto: a Câmara de Arcoverde não tem nenhum parlamentar negro. Não porque exista qualquer proibição — mas porque o eleitor não elegeu, ou porque quem se apresentou não encontrou espaço, apoio ou financiamento suficientes para romper a barreira invisível que sempre existiu. 

O que isso diz sobre nós?

O que diz sobre a democracia que celebramos, mas que continua incompleta?

O que diz sobre o país que se afirma miscigenado, mas que continua negando oportunidades, voz e poder à maioria de sua população?

É confortável acreditar que estamos avançando. E estamos — mas devagar demais para um país que ainda enterra seus jovens negros em números que fariam qualquer nação parar. Devagar demais para um estado que se autoproclama diverso, mas que ainda não se enxerga dentro de suas próprias instituições.

O Dia da Consciência Negra não é sobre celebrar conquistas — é sobre lembrar das ausências.

É sobre encarar o espelho e admitir: somos um Brasil negro representado por um Brasil que insiste em ser branco.

A pergunta que fica é simples, mas profunda: até quando?

Porque enquanto a cor da maioria segue sem refletir no poder, não há espelho capaz de esconder a desigualdade que nos atravessa — e insiste em permanecer.

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