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após a morte do miliciano, cúmplices de Adriano da Nóbrega fizeram contato com
“Jair”, “HNI (PRESIDENTE)” e “cara da casa de vidro”. Para fontes do Ministério
Público do Rio de Janeiro ouvidos na condição de anonimato, o conjunto de
circunstâncias permite concluir que os nomes são referências ao presidente Jair
Bolsonaro. “O cara da casa de vidro” seria uma referência aos palácios do
Planalto, sede do Executivo federal, e da Alvorada, a residência oficial do
presidente, ambos com fachada inteiramente de vidro.
Após
as citações, o Ministério Público Estadual pediu que a justiça encerrasse as
escutas dos envolvidos nas conversas, apesar de eles seguirem trocando
informações sobre as atividades ilegais de Adriano da Nóbrega. A interrupção
reforça a ideia de que trata-se do mesmo Jair que hoje ocupa o Planalto. O MP
estadual não pode investigar o presidente da República.
Em
casos deste tipo, tem a obrigação constitucional de encerrar a investigação e
encaminhar o processo à Procuradoria Geral da República, que tem esse poder.
Questionada, a PGR informou que buscas nos sistemas da Procuradoria por meio do
número de processo indicado não retornaram. Uma fonte ouvida pela reportagem
que conhece o sistema da PGR, no entanto, entende que isso pode significar
tanto que o processo foi encaminhado com outro número quanto que ainda não foi
encaminhado ou mesmo que a procuradoria apenas não o encontrou em seus
arquivos.
O
Intercept já havia reportado sobre as escutas em fevereiro, quando mostrou como
Adriano dizia que “se fodia” por ser amigo do presidente da República, e em
março, quando detalhamos a briga pelo espólio deixado pelo ex-caveira. As
referências a “Jair” e “cara da casa de vidro” constam em novos documentos
recebidos pela reportagem, que, em conjunto com as escutas anteriores, permitem
entender a amplitude das relações do miliciano e da rede que lhe deu apoio no
período em que passou foragido.
Adriano
da Nóbrega fugia da justiça desde janeiro de 2019, quando o Ministério Público
do Rio pediu a sua prisão, acusando-o de chefiar a milícia Escritório do Crime,
especializada em assassinatos por encomenda. Ex-integrante da elite do batalhão
de elite da Polícia Militar do Rio, ele foi expulso da corporação em 2014 por
relações com a máfia do jogo do bicho.
As
conversas de apoiadores do miliciano com supostas referências ao presidente
começaram a aparecer nos grampos a partir do dia da morte de Adriano, em 9 de
fevereiro de 2020, e continuaram por mais 11 dias. No dia 9 pela manhã, o
miliciano foi cercado por policiais do Rio e da Bahia, quando se escondia no
sítio do vereador Gilson Batista Lima Neto, o Gilsinho de Dedé, do PSL, em
Esplanada, cidade a 170 quilômetros de Salvador. Segundo os agentes, o
miliciano reagiu a tiros à ordem de se render. Os policiais reagiram e mataram
Adriano com dois tiros.
De
acordo com as transcrições, a primeira ligação supostamente feita ao presidente
aparece no dia 9 de fevereiro de 2020 à noite, horas depois que Adriano foi
morto. Ronaldo Cesar, o Grande, identificado pela investigação como um dos elos
entre os negócios legais e ilegais do miliciano, diz a uma mulher não
identificada (MNI, no jargão policial) que ligaria para o “cara da casa de
vidro”. No telefonema, demonstra preocupação com pendências financeiras e diz
que alertou Adriano que “iria acontecer algo ruim”. Ele fala ainda que quer
saber “como vai ser o mês que vem” e que a “parte do cara tem que ir”.
Identificado
pela polícia como ele entre os negócios legais e ilegais do miliciano, Grande
diz que vai “ligar para o cara da Casa de Vidro”.
Quatro
dias após a morte de Adriano, em 13 de fevereiro de 2020, Grande fala com um
homem supostamente não identificado (HNI), que tem ao lado, entre parênteses, a
descrição “PRESIDENTE” em letras maiúsculas, e relata problemas com a família
de Adriano devido à divisão de bens. O interlocutor se coloca à disposição caso
ele venha a ter algum problema futuro. Apenas duas frases do diálogo de 5
minutos e 25 segundos foram transcritas.
No
mesmo dia 13, o nome “Jair” aparece em conversas de outros comparsas de
Adriano – o pecuarista Leandro Abreu Guimarães e sua mulher, Ana Gabriela
Nunes. O casal, segundo as investigações, escondeu Adriano da Nóbrega numa
fazenda da família nos arredores de Esplanada após ele ter conseguido escapar
ao cerco policial a uma luxuosa casa de praia na Costa do Sauípe, no litoral
baiano, em 31 de janeiro de 2020.
Num
dos diálogos, de pouco mais de cinco minutos, Ana Gabriela relata a uma
interlocutora identificada apenas como “Nina” que “a polícia retornou com o
promotor” a sua casa e que não pretende voltar para lá por causa dos
jornalistas. Na sequência, diz: “Leandro está querendo falar com Jair”.
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