Entre os denunciados estão
quatro ex-agentes que participaram do ataque a Marighella na noite de 4 de
novembro. Amador Navarro Parra, Djalma Oliveira da Silva, Luiz Antônio Mariano
e Walter Francisco devem responder por homicídio qualificado. Eles estavam
distribuídos nas sete equipes que atuaram nos arredores da Alameda Casa Branca,
na zona oeste de São Paulo, para matar o militante político, então considerado
o “inimigo público número um” da ditadura.
Marighella dirigia a Aliança
Libertadora Nacional (ALN), organização de resistência armada ao regime
militar. Pouco antes de sua morte, integrantes do grupo e pessoas ligadas a ele
foram capturados pelas forças de segurança e, sob intensa tortura, revelaram
informações que viabilizaram o planejamento da execução sumária do líder. Entre
essas vítimas estavam frades dominicanos que prestavam apoio à ALN e mantinham
contato constante com Marighella.
Execução – Na noite da
emboscada, o dirigente da ALN foi à Alameda Casa Branca para um encontro
marcado com dois dos religiosos. A conversa seria no interior de um carro
frequentemente utilizado para essas ocasiões. Após entrar no veículo, o
militante foi surpreendido por Fleury e sua equipe, que monitorava toda a
situação nas imediações. Marighella tomou pelo menos quatro tiros. Desarmado,
ele não teve chance de defesa e morreu imediatamente.
Laudos periciais comprovam
que os disparos foram feitos a curta distância. Os dados técnicos desmentem a
versão oficial de que a vítima teria reagido a uma tentativa de prisão e
buscado atirar contra os agentes. Um revólver supostamente pertencente a
Marighella só foi enviado ao Instituto de Criminalística 22 dias depois da
emboscada. A análise revelou que a arma não tinha impressões digitais do
militante nem sinais de avarias, embora, segundo a versão do Dops, Marighella a
portasse em uma pasta que ficou totalmente perfurada pelos tiros.
O MPF destaca que as forças
policiais poderiam facilmente ter levado Marighella preso, ainda que
acreditassem em uma reação armada. Os agentes tinham amplo controle sobre a
situação e dispunham de diversas opções não letais para capturá-lo, como
imobilizá-lo antes de entrar no veículo, efetuar disparos a distância em
membros inferiores ou usar bombas de gás. “O que se verifica é que, desde o
início, a intenção da repressão era matar Marighella, e não o prender com
vida”, ressaltou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça, autor da
denúncia.
IML – O quinto
denunciado é o ex-integrante do Instituto Médico Legal (IML) Harry Shibata,
acusado de falsidade ideológica. Ele foi um dos peritos que forjaram o laudo
necroscópico de Marighella, com a omissão de informações que demonstravam a
ocorrência da execução sumária. O documento deixou de apontar, por exemplo, as
evidências sobre a curta distância dos tiros e a descrição de lesões que
indicavam a tentativa da vítima de se proteger dos disparos.
Ao encobrir as verdadeiras
circunstâncias da morte de Marighella, o laudo tinha o objetivo de eximir os
integrantes do Dops da responsabilidade pelo crime. A prática era comum no IML
de São Paulo. O instituto manteve intensa colaboração com os órgãos de
repressão durante toda a ditadura, elaborando documentos que procuravam
dissimular casos de tortura e assassinato e endossar as versões oficiais sobre
a morte de opositores do regime militar.
Sem anistia nem prescrição –
A execução de Marighella ocorreu em um contexto de perseguição sistemática e
generalizada do Estado brasileiro contra a população civil, por meio de um
aparato semiclandestino de repressão política. Por essas características, a
morte do líder da ALN é considerada um crime contra a humanidade, para o qual
não se aplica a anistia nem a prescrição, conforme compromissos internacionais
assumidos pelo país.
O Brasil já foi condenado
duas vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por atos de
violência e perseguição praticados entre 1964 e 1985. O país aderiu
voluntariamente à jurisdição do órgão e, portanto, é obrigado a cumprir suas
sentenças. Segundo as decisões, o Estado brasileiro deve empreender as medidas
necessárias para investigar e responsabilizar ex-agentes da ditadura envolvidos
em casos de tortura, morte e desaparecimento forçado.
As determinações também proíbem o Judiciário brasileiro de barrar processos com base na Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79). Para a CIDH, a norma não possui efeitos jurídicos por constituir um instrumento de autoperdão a membros do sistema repressivo.
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