O presidente Lula deu nos últimos dias ao senador Sergio Moro (União-PR) todas as condições de terminar a semana como vencedor da disputa pessoal que os dois travam na política. Primeiro, pelo desabafo feito durante entrevista admitindo que, quando estava preso, tinha vontade de "foder" o então magistrado. Mas principalmente por chamar de "armação" o plano do PCC para matar ou sequestrar Moro, descoberto pela Polícia Federal, subordinada ao seu ministro da Justiça e Segurança Pública. Como a coluna registrou, ao fazer acusação sem provas contra o senador — duvidando indiretamente da PF —, Lula marcou um dos maiores gols contra de toda sua trajetória política. Deu a deixa para Moro atacá-lo e fez dele vítima em dose dupla, tanto da ameaça do crime organizado quanto da leviandade de sua suspeita desprovida de base.
Desde a fala sobre
"armação", Lula vem recebendo todo tipo de críticas, que vão das
justificadas até aquelas exageradas, que comparam sua declaração com os piores
momentos do bolsonarismo — como se as baixarias de Jair Bolsonaro e seus
asseclas não fossem resultado de uma gigantesca e permanente estratégia de
destruir reputações, algo muito diferente de uma rara fala condenável em que
Lula usou o fígado para tratar de seu desafeto.
Nos últimos dias, por causa
da incontinência verbal do petista, o lavajatismo saiu do túmulo e se juntou ao
bolsonarismo para desancar o presidente. O jogo estava bastante desfavorável
para Lula. Até que ontem Sergio Moro jogou contra o patrimônio: também marcou
um gol contra memorável. Por conta da divulgação de que uma das contas de e-mail
investigadas entre as várias que serviram de ponto de partida para desbaratar o
plano do PCC tinha o endereço lulalivre1063@icould.com, o senador jogou nas
suas redes sociais uma suspeição irresponsável.
"Gostaria de entender
por que um dos criminosos do PCC, investigado no plano de sequestro e
assassinato, utilizava como endereço de e-mail lulalivre1063?",
questionou. A acusação indireta de parceria entre PT e tráfico foi endossada
por Deltan Dallagnol, fiel escudeiro de Moro — que, de quebra, requentou a
lorota bolsonarista sobre a ida de Flávio Dino à favela da Maré: "Finja
surpresa: membro do PCC usava e-mail 'lulalivre'. Em áudio que divulguei dia
22, PCC reclamou de Moro porque com ele não tinha conversa, enquanto com o PT
tinha. Não surpreende também que o Ministro da Justiça de Lula entre livremente
em área dominada pelo crime organizado", acusou Deltan.
A própria polícia explica
que os integrantes do PCC usavam e-mails de terceiros para despistar. Assim como
o fato de a juíza Gabriela Hardt tratar do caso das ameaças ao ex-juiz não dá a
Lula o direito de dizer o que disse, o aparecimento de endereço eletrônico com
o nome do presidente no meio da investigação é obviamente insuficiente para justificar
qualquer suspeita infundada de Moro e Dallagnol. Mas nenhum dos dois levou isso
em consideração antes de atacar o PT. Com essa desprezível intriga, Moro marca
a semana não apenas por ser vítima de um plano do PCC e passa também à
lamentável categoria dos parlamentares que fazem politicagem com qualquer coisa
— inclusive com eventuais desventuras.
Tanto a acusação leviana de
Lula quanto a ilação inconsequente de Moro, rebaixam a já desvalorizada
política nacional. Mas não é um empate. O petista sempre poderá argumentar que
tem motivos de sobra para ressentimento contra o ex-juiz que, em processo sem
provas e recheado de ilegalidades, o obrigou a ficar 580 dias na prisão e
entregou o país de bandeja para Bolsonaro. Já Moro não explicou ainda a fixação
que tem por Lula desde 2014 e que agora o faz perder o controle da situação.
Cientistas políticos parecem não dar conta. Talvez seja o caso de recorrer a
Freud.
Chico Alves - jornalista,
por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no
Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe
do jornal O DIA.
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