Por
Marlos Porto*
Em
artigo opinativo recente, o jornalista Magno Martins, no seu estilo educado e
elegante, porém firme e direto, disse que Arcoverde é “terra sem lei”. Causou
certo rebuliço em alguns a assertiva, como se uma heresia tivesse sido cometida
pelo ilustre arcoverdense (cuja cidadania lhe foi conferida solenemente pelos
edis da Casa James Pacheco em razão dos serviços por ele prestados à nossa
cidade).
Pergunto-me
o porquê do estranhamento. Acaso alguém acreditaria se lhe dissessem que foi
criada a “Comuna de Arcoverde” e que nela não há leis postas pelo Estado, mas
sim uma comunidade autogerida, plenamente livre, justa e solidária (como,
aliás, revolucionariamente preconiza nossa Constituição Federal, em seu art.
3º, I)?
Tal
imagem cairia bem como um sonho a ser perseguido, não como um retrato da
realidade, para quem minimamente esteja a par do atual nível de consciência
política e social de nossa euclidianamente forte gente sertaneja. Ora, o “terra
sem lei” é uma figura de linguagem que pode ser melhor entendida se
considerarmos nela elipsada a palavra “cumprimento”; seria, assim, “terra sem
cumprimento de lei”. Expresso nesses termos, quem poderá considerar que tal
frase destoa de nossa triste realidade?
Afinal,
é facilmente constatado o descumprimento das normas sanitárias na cidade por
meio de um simples passeio pelas principais ruas e avenidas, com muitas pessoas
se abstendo de usar máscaras e se aglomerando nas ruas e bares sem qualquer
tipo de fiscalização, contribuindo para a disseminação do coronavírus, que já
deixou enlutadas 48 famílias no município.
Também
é claramente observado o descumprimento da lei eleitoral, com candidatos e seus
apoiadores fazendo, não raro, explícitos pedidos de voto pelas redes sociais.
Não é ignorado da população em geral, frise-se, o assistencialismo que muitos
políticos praticam, seja por meio de viagens para tratamentos médicos, seja
pelo pagamento de água ou luz, o que não passa da velha e famigerada compra de
votos.
É
inequivocamente escancarado que muitas mulheres na nossa cidade sofrem
violência doméstica; políticos clamam há anos, sem serem ouvidos, por uma
Delegacia da Mulher ou ao menos por protocolos e instalações adequadas para que
as mulheres vítimas de violência possam se sentir minimamente acolhidas pelo
Estado e seguras em denunciar seus algozes. É ultrajante constatar que as
crianças carentes não são devidamente cuidadas, protegidas e amparadas, sem
falar nas que carregam feiras por alguns trocados.
A
disciplina legal relativa às vias urbanas e ao trânsito é ficção que não passa
despercebida do cidadão que tem que desviar de pilhas de tijolos e de montes de
areia ou metralha, seja ao dirigir um veículo, seja ao caminhar pelas calçadas.
Na
Praça da Bíblia, à noite, recentemente se viu um bucólico convescote de
equinos. O caminhão que sai do Matadouro Público é célebre por trafegar com as
portas abertas, sem refrigeração, com os funcionários em uniformes
ensanguentados em meio às carnes balouçantes, temperadas pela poeira reluzente
das ruas nas horas esmaecidas do cair da tarde.
Decididamente,
em Arcoverde, enquanto o candidato situacionista parece regozijar-se em uma
dança que a muitos constrange, mas que não incomoda a elite local, causa
incômodo aos poderosos e a seu séquito a cristalina frase do jornalista, de que
Arcoverde “é terra sem lei”, escrita com simplicidade e naturalidade tais que
se assemelham às da criança a proferir “o rei está nu”, em conto de Andersen,
diante da corte embasbacada.
Não, não foi um anátema. Foi uma constatação, tal como a de que as folhas caem ao desprender-se do ramo ou de que o sol nasce a leste e se põe a oeste!
*Servidor público e membro do Cidadania em Arcoverde
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