
Empresas
que prestaram serviço ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entre 2004 a 2018,
com a transmissão de dados e manutenção de urnas eletrônicas, entraram na mira
de uma investigação da Polícia Federal. Suspeitas de fraude, ocultação de
patrimônio e desvio de bens recaem sobre uma série de companhias acusadas de
esconder os ativos do grupo Probank - que prestou serviços em ao menos quatro
eleições - para evitar o pagamento de dívidas e substituir o grupo em contratos
com tribunais eleitorais.
A
PF investiga indícios de que equipamentos, funcionários e conhecimento
tecnológico tenham sido repassados entre várias empresas, fundadas a partir de
2010 por diretores do grupo e novos sócios. A Probank teve a falência decretada
em 2010, e deixou calote de mais de R$ 500 milhões para trabalhadores, credores
e à Receita Federal. As manobras, com a intenção de evitar bloqueio judicial de
bens, já foram parcialmente reconhecidas em decisões judiciais.
Ao
mesmo tempo, o administrador judicial de massa falida do grupo, o advogado
Sérgio Mourão Corrêa Lima, é também suspeito de fraude processual, prevaricação
e estelionato, entre outras acusações. Ele foi responsável por apontar à
Justiça a ocultação de patrimônio da Probank, mas sua condução do processo - e
de outros casos em que também foi convocado para administrar falências - tem
sido questionada. Em uma gravação obtida pela PF ele menciona a possibilidade
de "criar a justificativa" para um acordo no caso Probank.
"A
gente tem que sentar e combinar como que é vão ser os termos. Para, uma vez
acertadas condições do acordo, aí fazer a prova que a gente precisa para criar
a justificativa para (que) aquele acordo seja celebrado", ele diz, no
áudio. "Eu posso ter uma decisão que vai condenar todo mundo
solidariamente a pagar o montante total passivo, que é de R$ 500 milhões. (...)
Então, o fato é o seguinte: se gente não fizer acordo, todo mundo vai pro mesmo
barco."
Há
duas semanas, em outro processo judicial, Corrêa Lima foi destituído da função
e impedido de exercer a administração de falências pelos próximos cinco anos. A
decisão da desembargadora Maria Albergaria Costa, do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, o afastou da gestão na falência do consórcio Uniauto - o maior
consórcio de empresas de Minas Gerais em 2002, quando foi liquidado. Ela
determinou a investigação de um desvio de R$ 91 milhões, bloqueados por ordem
judicial, que estavam sob controle de Corrêa Lima.
Procurado,
o advogado pediu que a reportagem "apurasse os fatos, consultando o
mandado de segurança e o agravo de instrumento que versam sobre estes
temas". No mandado de segurança de 79 páginas impetrado contra a decisão
da desembargadora, Corrêa Lima argumenta que a decisão de destituí-lo é "ilegal
e arbitrária", e que não tem qualquer gerência sobre o sistema que gere
recursos bloqueados judicialmente - e, portanto, não poderia ser responsável
pelo suposto desvio.
No
caso que envolve a falência da Probank, Corrêa Lima pediu à Justiça o bloqueio
de bens de empresas que estavam fora do processo, para que fossem usados no
pagamento de dívidas. Entre elas está a Transat Telecomunicação, que ainda está
em atividade.
Responsável
pela transmissão de dados das urnas eletrônicas nas eleições de 2018, a empresa
Transat é uma das companhias suspeitas de receber equipamentos desviados da
Probank. Agentes da PF passaram a analisar a hipótese de a empresa ter se
tornado destino dos ativos do grupo, em um inquérito instaurado há três anos
para apurar os desvios de patrimônio. A empresa nega qualquer relação com o
grupo falido.
A
Transat recebeu R$ 100 milhões para a manutenção nas urnas eletrônicas e
transmissão de dados para o TSE em todo País em 2018, dois anos após sua
criação. Segundo a narrativa de Corrêa Lima nos processos judiciais do caso, os
ativos teriam chegado à empresa após uma sequência de abertura de empresas.
Cerca
de um ano antes do pedido de recuperação judicial da Probank, em 2010, a
empresa Engetec foi constituída no mesmo endereço. Essa empresa tinha como um
dos sócios o ex-presidente do grupo Probank, Helon Machado Guimarães Esteve, e
o mesmo objeto social. Em 2013, a Justiça reconheceu que, na prática, as duas
empresas integravam o mesmo grupo econômico. Houve repasse de dinheiro da Probank
para a Engetec entre 2009 e 2010 através de contratos de consultoria, mesmo
após o pedido de recuperação judicial. A reportagem não conseguiu entrar em
contato com Helon.
"Os
instrumentos, celebrados com a aparente anuência de todos os administradores,
foram pura e simplesmente ferramenta de desvio de dinheiro para a Engetec, que
posteriormente sucedeu as sociedades Probank-via, inclusive na realização das
eleições brasileiras", diz um trecho destacado pelo juiz Cláver de Resende
ao relatar os argumentos na ação judicial.
O
controle acionário da Engetec chegou a ser repassado à empresa Allig
Investiments Ltd., com sede nas Ilhas Cayman. No processo, há alegações de que
essa e outras empresas com sede no exterior serviram para desviar dinheiro e
prejudicar credores.
Em
2014, a Engetec repassou ativos para empresas do ex-secretário de
Desenvolvimento de Econômico de Minas Rogério Nery de Siqueira da Silva.
Sucessivas mudanças societárias em diversas empresas do ex-secretário sugerem
que o patrimônio acabou em posse da 2+Telecom, fundada por Rogério Nery em
2016. Nesse período, o ex-secretário transferiu participações de sua empresa
para o ex-diretor da Probank Helon Guimarães.
Antes
de se tornar Transat, a 2 Telecom teve todas as suas quotas transferidas à
filha do ex-secretário. A empresa teve seu capital social aumentado de R$ 10
mil para R$ 2,6 milhões entre 2015 e 2016, e no ano passado - meses antes da
eleição - alterou o objeto da empresa para "a prestação de serviços de
telecomunicações de interesse público", o que inclui comunicação via
satélite "nos limites das concessões ou autorizações do poder
público".
A
empresa nega qualquer relação com a Probank. "A Transat foi constituída e
exerce suas atividades de forma estritamente regular. Nunca possuiu nenhum
vínculo com a Probank, tampouco herdou contratos da falida", escreveu o
advogado Marcos Mares Guia, que defende a Transat.
"A
Transat possui patrimônio adquirido de forma lícita, assim como o são as
atividades que desempenha, bem como todos os contratos celebrados com entes
públicos, firmados após legítima participação em licitações, cuja regularidade
jamais foi questionada", diz Mares. Ele diz que a menção à Transat nos
processos "decorre de ato do administrador judicial perante a 2ª Vara Empresarial
de Belo Horizonte, motivado apenas por ilações sem fundamento e não embasadas
em nenhuma prova concreta". Do Estadão.
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