sábado, 28 de junho de 2025

Chapada, o vaqueiro que empunhou a bandeira LGBTQIAPN+ no Sertão, recebe homenagem póstuma no Recife

                "Essa é a bandeira mais pesada que já carreguei". A frase dita por Valmir Calaça, conhecido como Chapada, ecoa até hoje entre aqueles que cruzaram com sua coragem. Vaqueiro, sertanejo, casado e heterossexual, ele se tornou símbolo de resistência e empatia ao empunhar a bandeira LGBTQIAPN+ montado em seu cavalo em pleno Sertão de Pernambuco.

Aos olhos desavisados, o gesto poderia parecer incomum — ou até improvável. Mas Chapada não era comum. Natural do interior e profundamente enraizado nas tradições nordestinas, ele desafiou estigmas ao fazer da vaquejada e dos desfiles cívicos espaços também de inclusão.

“O pano era leve, mas o que ele significava era muito pesado”, dizia sobre a bandeira colorida, que levava junto de um cartaz com a frase “Não ao preconceito”.

Chapada decidiu se engajar após o atentado homofóbico à boate Pulse, em Orlando (EUA), em 2016, que deixou mais de 50 mortos. Tocou-o fundo. O vaqueiro simples, morador de Floresta (PE), se viu compelido a agir — e o fez à sua maneira, no lombo do cavalo, no meio da poeira e do sertão, com coragem de quem escolheu estar ao lado dos marginalizados.

“Sou matuto, mas sou esclarecido e gosto de coisa difícil”, declarou ele, em entrevista concedida em 2023.

Infelizmente, sua trajetória de empatia terminou de forma brutal. Valmir foi assassinado a tiros em novembro de 2024, em Floresta. Tinha 58 anos. Deixou esposa, dois filhos e dois netos. A Polícia Civil de Pernambuco informou que o inquérito foi concluído e encaminhado ao Ministério Público, com indiciamento, mas os detalhes do caso ainda não ecoam publicamente. Na cidade, o silêncio fala mais que palavras.

Apesar da ausência de respostas, sua memória segue viva. Neste sábado (28/06), em meio às celebrações do Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, o Clube Metrópole, no Centro do Recife, prestará uma homenagem póstuma a Chapada, como parte de sua tradição anual de reconhecer personalidades que contribuíram com a luta por diversidade e justiça social. A viúva de Valmir, Marluce Carvalho, estará presente.

“Será um momento de nos orgulharmos da coragem e da ousadia que ele demonstrou no Sertão pernambucano. E também de unirmos nossas vozes por justiça para Chapada. Existe um silêncio em torno do seu assassinato, mas ele não será esquecido”, afirmou Maria do Céu, produtora do evento.

Antes disso, em dezembro de 2024, durante a 66ª edição da tradicional Missa do Vaqueiro de Floresta, Chapada foi homenageado como ícone da cultura popular e defensor das tradições nordestinas. Um reconhecimento que reforça o quanto sua imagem transcendeu fronteiras e bandeiras.

No fim das contas, o vaqueiro que dizia “gostar de coisa difícil” talvez tenha sido apenas o que mais entendeu que a luta pela dignidade humana não tem limites geográficos nem barreiras culturais. Chapada foi resistência, foi voz dissonante, foi exemplo. E continuará sendo memória viva nas estradas de terra por onde passou — bandeira ao vento, sem medo de ser farol. 

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