"Ano
que vem, vamos ter que começar a vacinar todo mundo de novo. Vai funcionar como
funciona na gripe; mudam as variantes, têm de fazer nova adaptação da
vacina", afirma.
Segundo
o médico, o hospital vem registrando casos de reinfecção por Covid entre pessoas
já imunizadas, mas nenhum grave ou que tenha levado o paciente à morte.
Por
isso, recomenda que as pessoas continuem usando máscaras não só para se
proteger contra o coronavírus, mas também contra outros vírus respiratórios que
estão circulando, como o H1N1, e já provocam internações.
Cardiologista
e intensivista, Ganem está no Sírio desde 1992 e ocupou vários cargos nas áreas
da assistência e da gestão.
Em
maio, assumiu a diretoria geral, substituindo o cirurgião Paulo Chapchap, seu
mentor.
PERGUNTA
- Um assunto que circulou nas redes sociais recentemente foi que o Sírio estava
com vários pacientes graves de Covid que já tinham sido imunizados com duas
doses da vacina. O que há de real nessa história?
FERNANDO
GANEM - Estamos monitorando todas as pessoas que internam, quantas já foram
vacinadas.
P.
- Existem pacientes internados que já tomaram a vacina?
FG
- Sim.
P.
- Existem pacientes que já tomaram a vacina e estão em estado crítico?
FG - Não é o que a gente está vendo. Nós e outras instituições vamos soltar publicações sobre colaboradores vacinados, quantos tiveram [reinfecções por Covid]. Na nossa experiência, não identificamos casos graves [de reinfecção] e óbito. Temos que estratificar todos os casos por idade e complexidade. Casos individuais, a gente tem visto por aqui. Temos um caso curioso de uma médica que tem vários fatores de risco, atende em casa, já foi vacinada, teve Covid e não internou. O desfecho primário da vacina é evitar mortalidade. Agora, ter de novo o ideal seria que não tivesse mais. Ano que vem vamos ter que começar vacinar todo mundo de novo. Vai funcionar como funciona na gripe; mudam as variantes, tem que fazer nova adaptação da vacina. Todo mundo me pergunta e eu falo: sabe quando a gente vai ter todas essas respostas? Daqui a um ano, quando 100 milhões de pessoas estiverem vacinadas. O resto são inferências, e inferências são perigosas porque podem gerar informações infundadas.
P.
- Mas teremos mesmo que nos vacinar anualmente contra a Covid, assim como
ocorre com a gripe?
FG
- Tudo indica que sim, pelo o que a gente tem acompanhado na literatura e com
os nossos colegas. Foi como aconteceu na epidemia de H1N1 [em 2009]. Nós ainda
temos casos de H1N1. Tivemos um caso recente. O paciente teve Covid, foi
internado, saiu, e na semana seguinte estava com H1N1.
P.
- E nesse período outros vírus respiratórios têm circulado bastante
FG
- Exatamente. A gente sabe que de maio a julho, agosto, aumentam as visitas aos
prontos-socorros, as internações, a mortalidade na população idosa por pneumonia.
Também por isso é que a gente deve manter o uso da máscara.
P.
- O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem discursando contra o uso da
máscara. É o momento de deixar lado o acessório?
FG
- Vamos ter que continuar usando máscara ainda por muito tempo,
independentemente de uma recomendação técnica, deve ser uma orientação
comportamental. Sempre que possível, precisamos diminuir a probabilidade do
contágio.
P.
- Como está hoje a ocupação de leitos do Sírio por Covid?
FG - Semana passada estivemos bem apertados, variando de 90% a 97% de ocupação. Felizmente hoje [segunda, 14] estamos com 84%, estamos conseguindo acomodar. Mas é muito dinâmico. Há dias em que existe espera [por leitos] no pronto-socorro. Ano passado, nosso pico de internação tinha sido 260 pacientes. Neste ano, baixamos para 130 por duas, três semanas, e a gente pensou que teria um período de sossego. Nas últimas semanas, voltamos a ter 250 pacientes. Hoje [segunda] estamos com 164.
P.
- Está sendo necessário suspender cirurgias eletivas?
FG
- Dessa vez, não. Suspendemos por duas semanas alguns exames como a
polissonografia, em que o paciente passa a noite no hospital e no dia seguinte
vai embora. Muita gente que segurou procedimentos médicos meses atrás agora
está nos procurando até porque começa a ficar ansioso, não sabemos até quando
vai [a pandemia].
P.
- O Sírio acaba de lançar o pronto-atendimento digital. Como vai funcionar?
FG
- A experiência com pacientes com Covid possibilitou uma nova forma de
atendimento para todo tipo de condição de saúde. As avaliações podem ser
agendadas por meio de um número de WhatsApp. O paciente responde a uma série de
perguntas para a triagem do caso e se não for considerado crítico, recebe um
link para acesso a uma plataforma de telemedicina do Sírio e é atendido pelo
médico de plantão. Se os sintomas forem de gravidade, é orientado a comparecer
ao hospital.
P.
- Várias instituições de saúde têm estendido o atendimento médico digital para
áreas como escolas e empresas. Isso veio para ficar?
FG
- Sim, o hospital presta hoje um serviço de saúde populacional que abrange 180
mil colaboradores de outras empresas em que o atendimento é digital. Tanto de um
médico de família ou clínico-geral com nosso médico especialista, ou
diretamente com o paciente. Isso evitou idas desnecessárias ao pronto-socorro, garantindo a segurança.
Antes da Covid, em torno de 20% dos pacientes que vinham ao pronto-socorro não
eram submetidos a nenhum exame nem recebiam medicação. Podemos inferir que eles
precisavam de uma consulta médica. Não tenho dúvida de que o atendimento e do monitoramento digital de pacientes,
serviços de saúde mental e de reabilitação a distância terão oportunidade de
crescimento no pós-pandemia.
P.
- O que não é possível ainda fazer com o atendimento digital?
FG
- Não conseguimos substituir alguns tipos de assistência. Dor aguda, por
exemplo, é uma coisa muito preocupante. Dor abdominal pode ser algo mais simples,
como uma gastroenterite [infecção intestinal], uma diverticulite [inflamação ou
infecção na parte interna no intestino]. O exame físico faz toda a diferença.
Uma dor torácica, um formigamento, pode ser desde uma tensão emocional até um
AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Ter um olhar médico é fundamental. Mas hoje, com uma boa anamnese, um check-list de perguntas, um algoritmo bem
direcionado, você consegue saber quando orientar a pessoa a procurar um
atendimento presencial ou se ela pode seguir no acompanhamento digital.
P.
- No âmbito do SUS, o Sírio e outros hospitais têm desenvolvido por meio do
Proadi alguns projetos usando a telemedicina nas emergências e na UTI. O que já
é possível mensurar de resultados?
FG
- O Lean nas emergências, essa ferramenta de gestão que ajuda a diminuir o
tempo de permanência do paciente no serviço de urgência, já existia antes da
pandemia e, devido à repercussão e ao impacto que causou em vários hospitais
públicos, foi renovado. Em 2020, o projeto passou por 35 hospitais do SUS. Já são 102 instituições
beneficiadas em 24 estados desde que teve início há pouco mais de três anos. No ano passado, houve redução média de 38% no tempo de espera, de 50% no tempo
da passagem do paciente da urgência até a internação, e uma redução média de
11% no tempo médio de permanência na internação (de 8,5 dias para 7,6 dias, em
média).
RAIO-X
Fernando Ganem é médico cardiologista formado pela Faculdade de Medicina da USP
(FMUSP), com doutorado na mesma instituição. Também é especialista em terapia
intensiva, tem pós-graduação em gestão de atenção à saúde pelo Instituto de
Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês e Fundação Dom Cabral. Trabalha no Hospital Sírio-Libanês desde 1992, inicialmente como plantonista no
pronto-atendimento. Já trabalhou como intensivista no Hospital Alemão Oswaldo
Cruz, como chefe da UTI cardiovascular no Hospital Nove de Julho. Ocupa cargos
na área de gestão do Sírio desde 2007. Em maio passado, assumiu a diretoria
geral do hospital. Coordena também o programa de residência de clínica médica
da instituição.
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