Crítico
da Lava Jato, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), fez
reparos à operação e exaltou a divulgação de mensagens trocadas por membros da
força-tarefa, nas quais foi mencionado. Sem
citar nomes, ele reiterou ataques ao ex-juiz e hoje ministro Sergio Moro
(Justiça) e a procuradores do Ministério Público Federal.
"Em
relação aos procuradores, vocês têm visto tudo aquilo que se fala: perseguição,
combinação. Obter vantagens, oferecer palestras, ganhar dinheiro, monetizar a
Lava Jato. Imagine isto", disse o ministro a jornalistas, nesta
sexta-feira (9), em São Paulo.
"Estado
de Direito é um modelo em que não há soberanos. Todos estão submetidos à lei.
Portanto esse modelo que se desenhou, essa chamada 'república de Curitiba',
isso não tem abrigo na Constituição."
"Agora
se revela, a despeito do bom trabalho que tenha feito, essa grande
fragilidade" da Lava Jato, comentou o ministro, antes de participar de
evento da Aasp (Associação dos Advogados de São Paulo).
Um
grupo de cerca de dez pessoas fez um protesto em frente ao local da palestra,
em um prédio na região da avenida Paulista. Elas gritavam "fora,
Gilmar" e diziam que é a população quem paga o salário do magistrado.
Uma
participante do ato usava uma capa preta ao estilo do STF. Outros, vestidos de
verde e amarelo, manifestavam apoio à Lava Jato e a Moro.
"Vamos
encerrar com esse ciclo de falsos heróis", disse Gilmar aos repórteres.
"Vamos reconhecer que as pessoas têm virtudes e defeitos. A democracia convive
com isto." Indagado se fazia referência a Moro ou ao procurador Deltan
Dallagnol, falou que não iria "fulanizar o debate".
"Certamente,
juiz não pode ser chefe de força-tarefa. Ele não pode se integrar numa
força-tarefa, afirmou Gilmar, emendando uma ironia. "Daqui a pouco alguém
dirá: ele trabalhou tanto que pode até reivindicar salários na Justiça do
Trabalho, acumulou funções."
Ele
reiterou que a situação é "a maior crise que se abateu sobre o aparato
judicial no Brasil desde a redemocratização" e que "nada é
comparável" às revelações agora feitas. Afirmou, contudo, acreditar que o
Brasil "vai sair mais forte disso".
"Em
algum momento, essas pessoas que se envolveram nesses malfeitos terão que
prestar contas. Terão que contar o que fizeram mesmo, para que a gente possa,
inclusive, no futuro, fazer as devidas correções."
"Quem,
às escondidas, praticou atos indevidos tem que prestar conta deles",
completou.
Para
ele, a revelação feita pela Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (8) sobre o
comportamento do então corregedor-geral do Ministério Público Federal,
Hindemburgo Chateaubriand Filho, em relação a Deltan, ilustra a conduta
problemática de membros da força-tarefa.
"O
próprio corregedor, embora não [tenha] cumprido devidamente suas funções, diz:
'Vocês estão monetizando, vocês estão ganhando dinheiro com a Lava Jato'. E
isso obviamente é vedado", assinalou o magistrado.
"Está
escrito na Constituição. Eu não posso usar a função pública para ganhar
dinheiro fora daquilo que eu já ganho." Como mostrou a reportagem, Deltan
escreveu a Hindemburgo que a reprimenda seria acatada, mas a contragosto de
membros do MPF.
Para
Gilmar, o STF poderá ter que se debruçar sobre a validade das mensagens obtidas
pelos hackers como provas em processos judiciais. "Isso é um debate que a
corte já teve em alguns casos e que certamente será renovado agora."
Segundo
ele, o uso de "uma eventual prova de caráter ilícito" pela defesa de
réus como o ex-presidente Lula (PT) "em tese pode ser" reivindicado,
mas a validade dependerá de uma análise mais aprofundada.
"Há
uma jurisprudência, em alguns casos, em que se diz: a prova, mesmo ilícita,
serve para isentar determinada sanção ou inocentar alguém. Isso terá que ser
examinado", disse. "A toda hora vem esse tipo de consideração: 'Ah,
qual será a anulação?'. A mim me parece que o efeito já é deslegitimador dessas
sentenças."
E
prosseguiu: "Quando a gente vai para o exterior, as pessoas perguntam: mas
como vocês fizeram isso? Vocês que lograram um sistema de combate à corrupção
agora estão com a credibilidade do sistema afetada. Como que um juiz sai para
integrar um governo que é de oposição àquele que está preso?".
Citado
em conversas de procuradores da Lava Jato reveladas na terça-feira (6), o
ministro cobrou de imediato providências da PGR (Procuradoria-Geral da
República) sobre o caso e disse ver "um quadro de desmando completo".
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