quinta-feira, 7 de março de 2019

Ministério Público Federal defende inconstitucionalidade da MP que muda demarcação de terras indígenas


           A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR) emitiu nota técnica em que defende a inconstitucionalidade da Medida Provisória 870/2019 e dos Decretos 9.673/2019 e 9.667/2019 editados pelo governo Jair Bolsonaro (PSL). No documento, o MPF afirma que a política indigenista instituída pela MP e pelos decretos afronta o estatuto constitucional indígena e viola o direito dos povos originários à consulta prévia, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Além disso, ao transferir a demarcação de terras para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a MP coloca em conflito os interesses dos indígenas com a política agrícola da União, e com as atribuições do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, com prejuízo para os povos originários.

Na nota, o MPF defende que a demarcação de terras indígenas volte ao Ministério da Justiça, que seria um mediador isento no caso de conflitos de interesses. Assinado pelo coordenador da 6CCR, subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha, o documento será enviado ao Congresso Nacional, que analisa a MP, a ministros de Estado e à procuradora-geral da República, Raquel Dodge. A PGR deve se manifestar na ação direta de inconstitucionalidade que questiona a MP 870, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). 

A nota técnica lembra que, desde 2002, o Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT. A norma garante aos povos indígenas direito à consulta prévia, livre e informada nas matérias que afetam seus direitos e interesses. O próprio Supremo já conferiu à Convenção estatura constitucional. Assim, ao editar a MP no primeiro dia de governo, sem ouvir os povos indígenas, o novo governo não observou o direito básico à consulta prévia. Por isso, a medida provisória seria nula e deve ser rejeitada pelo Congresso Nacional, defende o MPF. 

Política integracionista – A Constituição de 1988 garantiu aos índios o reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Também assegurou legitimidade das atividades produtivas indígenas, reservando-lhes o direito à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e às suas atividades. Essas garantias estão previstas no artigo 231, afeto ao Título VIII "Da Ordem Social", enquanto a política agrícola está disciplinada no artigo 187, contido no título VII "Da Ordem Econômica e Financeira", deixando clara a distinção que o constituinte estabeleceu entre esses títulos e seus respectivos conteúdos. 

A nota técnica defende que, ao transferir para o Mapa a demarcação de terras indígenas, a MP desconsidera e despreza a distinção entre o desenvolvimento indígena e o não indígena, feita pela própria Constituição, e reconhecida pelo STF em julgamentos anteriores. Isso promove, na prática, a reedição de uma política integracionista superada pela constituição de 1988 e que gerou intensa violações dos direitos indígenas no século passado. Tal perspectiva pressupõe que devem os índios se aculturar, abrir mão de seu modo de vida e de produção tradicionais, para se integrar à sociedade como trabalhadores rurais conectados a uma política agrícola voltada para não indígenas.

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